quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Revista Limiana n.º 36


Fevereiro de 2014
Capa:
D. Pedro I - O Justiceiro
Óleo sobre tela do pintor Henrique Ferreira, 1718
Centro Cultural Casapiano - Lisboa
Fotografia de Elisa Prego


D. Pedro I e a muralha medieval de Ponte de Lima - Excertos de textos


Miguel Roque dos Reis Lemos
Anais Municipais de Ponte de Lima – 1936

«O Príncipe D. Pedro, filho de D. Afonso IV, quando em 1355 – por ocasião da vingança que, por causa do assassinato da infeliz D. Inês de Castro, andava tirando contra seu pai, pondo a ferro e sangue toda a província de Entre Douro e Minho – passou nestes sítios, observou por seus olhos a divisão em que se achava a vila, subsistindo no lugar primitivo alguns moradores e estando estabelecida a maior parte na Baldrufa, e notou a miséria que assoberbava uns e outros.
Confrangera-se, como era natural, o coração do príncipe Justiceiro com tal espectáculo: e parece que prometera para logo ao objectivo da sua constante ideia, à memória da sua íntima adoração, que, chegada a oportunidade, levantaria tão miserável povo à altura da categoria dada pela mãe de D. Afonso I e à de praça de guerra, como o pedia a táctica militar, atenta a sua centralidade.
De feito, como palavra de Rei atrás não volta, quatro anos depois, no ano de 1359, o segundo de sua coroação, D. Pedro I, por intermédio do Corregedor Álvaro Pais, no dia 3 de Julho, lançou a primeira pedra fundamental de uma praça forte, no lugar em que hoje está a vila e por assim dizer defronte do primitivo assento, que foi senhoreado por Sancho Nunes. Traçou-lhe a cerca de muros dentados de ameias, cortados por seis portas, defendidas por barbacãs avançadas e reforçadas por frequentes cubelos e nove gigantescas torres ameiadas.
Todas estas fortificações estavam completas em 1370, havendo sido posto o remate nos primeiros três anos do reinado de D. Fernando.»


Reconstituição da planta da muralha medieval de Ponte de Lima


Pedro Miguel D. Brochado de Almeida
Ponte de Lima – uma vila histórica do Minho, Município de Ponte de Lima – 2007

«…quando D. Pedro I passou por Ponte de Lima em meados do século XIV percebeu que aquele espaço, mercê da sua localização estratégica e da sua expansão urbana, reunia as condições para ser protegida por uma muralha.
………………………
A construção da muralha de Ponte de Lima criou um estaleiro de obra gigantesco que acomodou todos os segmentos de trabalho, que transformou desde a matéria-prima até ao produto final. Foi necessário criar de raiz diversas carpintarias, provavelmente especializadas, para construírem os guindastes, as escadas provisórias, as abóbadas dos tectos das torres e os arcos das portas. Ergueram-se diversas bancadas para aparelhar a pedra, divididas por oficinas de pedreiro. Construíram-se múltiplas forjas para produção e reparação de instrumentos de trabalho. Deslocaram-se diversas parelhas de gado e os seus respectivos carros para fazer o transporte de matérias-primas e de produtos finais.
A tudo isto é necessário juntar toda a logística envolvida na alimentação de todos os trabalhadores, desde a angariação de alimentos, passando pelo seu transporte, pela sua confecção e terminando na sua distribuição. Um outro trabalho seria o de criar, manter e tratar da alimentação dos animais envolvidos na obra.
A presença de todas estas pessoas externas a Ponte de Lima criou outros desafios, como o do alojamento ou o de vestir a totalidade dos trabalhadores.
A aglomeração e o acrescimento populacional criou oportunidades de negócios que obrigaram à deslocação de comerciantes para o seu redor, ajudando a incrementar o fervilhar de vida da Vila.»



Amélia Aguiar Andrade
Um Espaço Urbano Medieval: Ponte de Lima, Livros Horizonte – 1990

«Para o homem medieval as muralhas e fortificações associavam-se naturalmemente a momentos de risco, de lutas e de conflitos em que era necessário e urgente pensar numa forma de defesa.
E a cerca limiana não podia deixar de transmitir uma impressão de força e segurança. Compacta na solidez dos blocos de granito que a constituíam era, juntamente com as casas-torres que nela se incrustavam, o espaço de defesa da vila. Em caso de perigo, cerradas as portas, era nos adarves da muralha ou no alto das casas-torres que os limianos se entrincheiravam e onde decorriam os combates. Nessas alturas, todo o perímetro urbano era um arraial militar, uma vez que a premente necessidade conjuntural de protecção remetia para segundo plano qualquer uma das outras actividades urbanas. Espaço fortificado, espaço defendido, Ponte de Lima podia então acolher, nas suas áreas livres, as populações da zona peri-urbana.
Terminados os combates, regressada a paz, a muralha continuava, no entanto, a proteger os que habitavam no seu interior. Dos ares da peste quando andavam alevantados pelo reino. A cerca era, então, a barreira que repelia os forasteiros outrora bem-vindos mas agora possíveis transmissores da morte. Para se defender, a vila fechava-se sobre si própria, tornava-se mais opressiva, recusando temporariamente a sua função primeira de espaço de passagem.
Obstáculo à difusão da doença, o muro, como lhe chamavam os limianos de quatrocentos, era também o dique que refreava a progressão desordenada das águas do rio Lima, quando um Inverno de chuvas copiosas fazia transbordar o seu leito.»

Trecho da muralha medieval de Ponte de Lima, no Largo da Picota
Fotografia de Amândio de Sousa Vieira 


Ramalho Ortigão
As Farpas – Entre Minho e Douro – 1885

«Em Ponte de Lima, a ponte que deu o nome à vila é um dos mais antigos monumentos do seu género em Portugal. Assenta em vinte e quatro arcos, dos quais dezasseis em ogiva.
……………………………….
Era entestada por duas belas torres, uma do lado de Arcozelo, outra do lado da vila, a que dava entrada por uma porta ogival. As guardas da ponte, assim como as duas torres, eram guarnecidas de ameias.
Com essa forma se conservou este curioso monumento até 1834. Depois, com o regime liberal, veio uma vereação que mandou arrasar as duas torres; e outra vereação, não querendo ficar atrás da primeira, mandou serrar as ameias que coroavam as guardas! O cinto de muralhas, com as suas cinco portas, as suas torres e as suas barbacãs, com que D. Pedro I fortificou a vila reedificada no século XIV, não caiu também inteiramente de per si, foram ainda as vereações municipais que sucessivamente se encarregaram de o fazer desaparecer.
O poder central, em sua alta e suprema indiferença pelos mais estúpidos atentados de que são objecto os monumentos mais veneráveis da arte e da história nacional, aprovou a uma por uma todas as marradas de preto-capoeira com que à municipalidade de Ponte de Lima aprouve derribar e destruir os mais belos vestígios arquitectónicos da gloriosa história da antiga vila e o próprio sentido heráldico das suas armas, nas quais em escudo de prata figura uma ponte entre duas torres.»