Junho de 2013
Capa:
Cónego Manuel José Barbosa Correia
Fotografia do Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Ponte de Lima
Conteúdos
Ponte de Lima, a Vila Florida
Poema "Nostalgia"
Júlio Evangelista
Visita Pascal na Casa do Concelho de Ponte de Lima
Padre João Nogueira
CCPL une-se a causa solidária
Tiago Polme
Encontro de Cultura Minhota recorda folclore de outros tempos
Tiago Polme
Prémio "Empreendedorismo e Desenvolvimento Rural"
Ponte de Lima em 1.º lugar no ranking dos visitantes aos postos de turismo da região Norte
Ponte de Lima já tem um alfarrabista!
Livraria.Ler.Com.Gosto
Adelino Tito de Morais
António Feijó na imprensa do seu tempo
Artigo publicado no semanário Echos de Cerveira, de 1 de Julho de 1917
Ruben A. e a paisagem limiana
José Cândido de Oliveira Martins
João Marcos poeta e escritor limiano (1913-2013)
Cristiana Freitas
Lethes recebeu cinzas do poeta José Maria Carneiro
Lembrando o Cónego Manuel José Barbosa Correia
António Matos Reis
Memórias do primeiro encontro de antigos alunos da Oficina de S. José
Cónego Correia
Testemunho de Alberto do Vale Loureiro
Júlio Evangelista
Um estilo peculiar de fazer política
Alberto Antunes de Abreu
A difícil prova do jornalismo
João Bigotte Chorão
Fontão: uma terra, um povo
Padre Dr. José Luís de Sousa Ribeiro
Fontão: uma freguesia de sonho
José Pires da Silva
Arte Sacra de Ponte de Lima
São Cristóvão - Escultura em pedra policromada
Século XVII/XVIII - Capela de São Cristóvão, Fontão
José Velho Dantas
9.º Festival Internacional de Jardins de Ponte de Lima
Certificação do Traje à Vianesa
Traje de Viana do Castelo na Filatelia de Andorra
Ruben A. e a paisagem limiana
Ruben A. em primeiro plano, no Rio Lima, em Ponte de Lima Atrás, Francisco Sousa Tavares e Sophia de Mello Breyner Andresen Fotografia do Arquivo de Amândio de Sousa Vieira |
Uma torre dos primórdios: com alguns laços ao Alto Minho,
o escritor Ruben A. (Lisboa, 1920 – Londres, 1975) é um dos autores que, sem
ter nascido nesta região, a celebrou de modo superlativo. Sobre o
encantador cenário limiano, Ruben A. bem poderia ter escrito os versos de
Cabral do Nascimento, em “Paisagem”: “Este ar antigo e heráldico, perdido / Na
memória dos séculos... Tão belo! / Vão-se-me os olhos só de estar a vê-lo... /
Ah, bem quisera ter aqui nascido.”
Ao mesmo tempo
que desempenhou relevantes funções no campo da Cultura, legou-nos uma obra
literária inovadora. De entre a sua obra ficcional e diarística, destaca-se o
romance A Torre de Barbela (Assírio
& Alvim, 1995), originalmente editado em 1964, premiado e objeto de
diversas edições. A Torre de Barbela
é, de facto, um original e alegórico romance sobre Portugal e a sua longa
História, e, sobretudo, acerca do seu imaginário arquetípico. Com inventividade
notável e humor contínuo, Ruben A. constrói uma narrativa de traça surrealista
sobre a terra lusitana. E fá-lo com uma particularidade inesquecível: centra
esta história no coração do Alto Minho, tecendo assim múltiplas considerações
descritivas e judicativas sobre esta região.
Com efeito, o
eixo simbólico do romance é a Torre de Barbela, uma torre de casa solarenga,
grávida de História, do tempo de Afonso Henriques, situada na margem esquerda
do rio Lima, enfim tão antiga quanto a própria nacionalidade. De dia, é visitada
por turistas nacionais e estrangeiros; mas de noite – dimensão fantástica e
surrealizante – é habitada pelo cortejo heteróclito dos seus antepassados.
Pertencendo a séculos distintos, essas personagens ressuscitam, convivem e
conversam, contando as suas façanhas mais ou menos mirabolantes, enraizadas na
História de Portugal. É inquestionavelmente uma casa matricial, assombrada
pelos seus fantasmas: “A Barbela representava, então, a primeira casa de
Portugal”.
A paisagem envolvente: como moldura deste universo
mágico, pinta-se uma paisagem extraordinária. De facto, a Torre da Barbela
sobressai no atraente sortilégio da paisagem limiana, com sua carga simbólica:
“mais do que um símbolo, era a síntese aberta e escancarada das glórias e
tristezas de uma raça”. Em momentos de particular crise, a paisagem limiana
pulsava empaticamente com os dramas da pátria: “a Ribeira Lima parecia o
fim de uma nação à procura de tino”. Definitivamente, na Torre encerra-se “o
simbolismo de uma raça”, com seus heroísmos e fraquezas, virtudes e pecados.
Como sugerido, a
Torre de Barbela é uma poderosa
alegoria da “casa lusitana”. Ou não fosse construída intertextualmente sobre
outras narrativas que, servindo-se também dessa imagem simbólica, constituem
meditações estético-culturais sobre Portugal – de Eça de Queirós (Os Maias e A Ilustre Casa de Ramires) até Aquilino Ribeiro (A Casa Grande de Romarigães). Aliás, é
significativo que a obra de Ruben A. abra com uma epígrafe de Sá de Miranda
carregada de simbolismo.
As afirmações
acerca da ligação simbólica entre a Torre da Barbela e Portugal, com a sua
História, multiplicam-se enfaticamente: “Do alto daquela Torre, outrora de
menagem, estendia-se um país inteiro, seiva virgem de uma nação. Toda a
História se abria com a paisagem.” Por conseguinte, a Barbela sintetiza
Portugal, o espírito e a terra lusíadas, com as suas grandezas e misérias,
sonhos e mitos, fé cristã e superstição, obsessões e imaginário colectivo.
E como Ruben A. bem sabia, a Ribeira Lima é terra de heróis e de santos,
de guerreiros e de diplomatas, de militares e de aventureiros. Enfim, só uma
geografia rica e nobre, com uma história abençoada, poderia dar à luz tão
ilustre número de filhos.
Magia da Ribeira Lima: a beleza única da paisagem abre
as portas ao fantástico e ao sonho. Pelo
apontado, faz todo o sentido situar a Torre da Barbela na paisagem limiana.
Desde logo, porque é no Norte que se situam os
alvores da própria nacionalidade; e os sucessivos proprietários da Torre estão
intimamente ligados ao rumo da História pátria, desde a longínqua fundação. E
nesta história multissecular, não se podem esquecer “as laboriosas gentes da
Ribeira Lima”, que rodeiam o Cavaleiro da Barbela e todos os seus descendentes
no “solar da Barbela, que ainda hoje se pode ver da curva da estrada que segue
pela margem esquerda do Lima”.
A Ribeira Lima
possui também um riquíssimo património, da arquitectura à gastronomia e às mais
diversas tradições culturais, sem esquecer as feiras e as festas populares, com
realce para as “Festas de Ponte de Lima, as famosas Feiras Novas”. Com a “fidalguia
limiana”, a geografia limiana respira antiguidade e tradição, conferindo-lhe um
atraente porte aristocrático e fidalgo. Enfim, a história da grande família da
Barbela é um inquestionável “romance colectivo”, em que sobressaem os “hábitos
dos fidalgos da Ribeira Lima”.
Entre as
riquezas patrimoniais, destacam-se as casas solarengas que polvilham a Ribeira
Lima, com suas torres, capelas e bibliotecas, atestando a proeminência de
certas famílias, independentemente de umas serem fruto da imaginação do
romancista e outras existirem de facto, como as referências aos Abreus e aos
Auroras. Porém, os Barbelas distinguem-se de outras “famílias nobres da Ribeira
Lima”, tal como descritas por Manuel Bezerra “na sua obra monumental e erudita Os Estrangeiros no Lima”.
Por fim, a ligar
tudo, a beleza ímpar da encantatória paisagem limiana, que seduz e enfeitiça
quem por ali passa. O contacto com o rio Lima configura uma revelação e uma
experiência místicas: “A descida do Lima (...) resumia um dos encantos mais
completos em que se prendiam os olhos dos indiferentes à paisagem, ao amor e à
luz. Havia nas margens qualquer coisa do mundo ainda por revelar”.
Em suma, “os
tempos maravilhosos passados na Ribeira Lima” causam funda impressão diante
desta paisagem única: “um dos únicos sítios no mundo onde a beleza da paisagem
compreende o silêncio das almas”. Paisagem que fascina e atrai:
"Habituei-me às margens do Lima e não há ninguém que me tire de lá.” Restando
a sentida exclamação: “Que bons os dias passados na Ribeira Lima!”
José Cândido de Oliveira Martins