quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Revista Limiana n.º 33


Junho de 2013
Capa:
Cónego Manuel José Barbosa Correia
Fotografia do Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Ponte de Lima


Conteúdos

Ponte de Lima, a Vila Florida

Poema "Nostalgia"
Júlio Evangelista

Visita Pascal na Casa do Concelho de Ponte de Lima
Padre João Nogueira

CCPL une-se a causa solidária
Tiago Polme

Encontro de Cultura Minhota recorda folclore de outros tempos
Tiago Polme

Prémio "Empreendedorismo e Desenvolvimento Rural"

Ponte de Lima em 1.º lugar no ranking dos visitantes aos postos de turismo da região Norte

Ponte de Lima já tem um alfarrabista!
Livraria.Ler.Com.Gosto
Adelino Tito de Morais

António Feijó na imprensa do seu tempo
Artigo publicado no semanário Echos de Cerveira, de 1 de Julho de 1917

Ruben A. e a paisagem limiana
José Cândido de Oliveira Martins

João Marcos poeta e escritor limiano (1913-2013)
Cristiana Freitas

Lethes recebeu cinzas do poeta José Maria Carneiro

Lembrando o Cónego Manuel José Barbosa Correia
António Matos Reis

Memórias do primeiro encontro de antigos alunos da Oficina de S. José

Cónego Correia
Testemunho de Alberto do Vale Loureiro

Júlio Evangelista
Um estilo peculiar de fazer política
Alberto Antunes de Abreu

A difícil prova do jornalismo
João Bigotte Chorão

Fontão:  uma terra, um povo
Padre Dr. José Luís de Sousa Ribeiro

Fontão: uma freguesia de sonho
José Pires da Silva

Arte Sacra de Ponte de Lima
São Cristóvão - Escultura em pedra policromada
Século XVII/XVIII - Capela de São Cristóvão, Fontão
José Velho Dantas

9.º Festival Internacional de Jardins de Ponte de Lima

Certificação do Traje à Vianesa

Traje de Viana do Castelo na Filatelia de Andorra


Ruben A. e a paisagem limiana

Ruben A. em primeiro plano, no Rio Lima, em Ponte de Lima
Atrás, Francisco Sousa Tavares e Sophia de Mello Breyner Andresen
Fotografia do Arquivo de Amândio de Sousa Vieira

Uma torre dos primórdios: com alguns laços ao Alto Minho, o escritor Ruben A. (Lisboa, 1920 – Londres, 1975) é um dos autores que, sem ter nascido nesta região, a celebrou de modo superlativo. Sobre o encantador cenário limiano, Ruben A. bem poderia ter escrito os versos de Cabral do Nascimento, em “Paisagem”: “Este ar antigo e heráldico, perdido / Na memória dos séculos... Tão belo! / Vão-se-me os olhos só de estar a vê-lo... / Ah, bem quisera ter aqui nascido.”
Ao mesmo tempo que desempenhou relevantes funções no campo da Cultura, legou-nos uma obra literária inovadora. De entre a sua obra ficcional e diarística, destaca-se o romance A Torre de Barbela (Assírio & Alvim, 1995), originalmente editado em 1964, premiado e objeto de diversas edições. A Torre de Barbela é, de facto, um original e alegórico romance sobre Portugal e a sua longa História, e, sobretudo, acerca do seu imaginário arquetípico. Com inventividade notável e humor contínuo, Ruben A. constrói uma narrativa de traça surrealista sobre a terra lusitana. E fá-lo com uma particularidade inesquecível: centra esta história no coração do Alto Minho, tecendo assim múltiplas considerações descritivas e judicativas sobre esta região.
Com efeito, o eixo simbólico do romance é a Torre de Barbela, uma torre de casa solarenga, grávida de História, do tempo de Afonso Henriques, situada na margem esquerda do rio Lima, enfim tão antiga quanto a própria nacionalidade. De dia, é visitada por turistas nacionais e estrangeiros; mas de noite – dimensão fantástica e surrealizante – é habitada pelo cortejo heteróclito dos seus antepassados. Pertencendo a séculos distintos, essas personagens ressuscitam, convivem e conversam, contando as suas façanhas mais ou menos mirabolantes, enraizadas na História de Portugal. É inquestionavelmente uma casa matricial, assombrada pelos seus fantasmas: “A Barbela representava, então, a primeira casa de Portugal”.

A paisagem envolvente: como moldura deste universo mágico, pinta-se uma paisagem extraordinária. De facto, a Torre da Barbela sobressai no atraente sortilégio da paisagem limiana, com sua carga simbólica: “mais do que um símbolo, era a síntese aberta e escancarada das glórias e tristezas de uma raça”. Em momentos de particular crise, a paisagem limiana pulsava empaticamente com os dramas da pátria:  “a Ribeira Lima parecia o fim de uma nação à procura de tino”. Definitivamente, na Torre encerra-se “o simbolismo de uma raça”, com seus heroísmos e fraquezas, virtudes e pecados.
Como sugerido, a Torre de Barbela é uma poderosa alegoria da “casa lusitana”. Ou não fosse construída intertextualmente sobre outras narrativas que, servindo-se também dessa imagem simbólica, constituem meditações estético-culturais sobre Portugal – de Eça de Queirós (Os Maias e A Ilustre Casa de Ramires) até Aquilino Ribeiro (A Casa Grande de Romarigães). Aliás, é significativo que a obra de Ruben A. abra com uma epígrafe de Sá de Miranda carregada de simbolismo.
As afirmações acerca da ligação simbólica entre a Torre da Barbela e Portugal, com a sua História, multiplicam-se enfaticamente: “Do alto daquela Torre, outrora de menagem, estendia-se um país inteiro, seiva virgem de uma nação. Toda a História se abria com a paisagem.” Por conseguinte, a Barbela sintetiza Portugal, o espírito e a terra lusíadas, com as suas grandezas e misérias, sonhos e mitos, fé cristã e superstição, obsessões e imaginário colectivo.  E como Ruben A. bem sabia, a Ribeira Lima é terra de heróis e de santos, de guerreiros e de diplomatas, de militares e de aventureiros. Enfim, só uma geografia rica e nobre, com uma história abençoada, poderia dar à luz tão ilustre número de filhos.

Magia da Ribeira Lima: a beleza única da paisagem abre as portas ao fantástico e ao sonho. Pelo apontado, faz todo o sentido situar a Torre da Barbela na paisagem limiana. Desde logo, porque é no Norte que se situam os alvores da própria nacionalidade; e os sucessivos proprietários da Torre estão intimamente ligados ao rumo da História pátria, desde a longínqua fundação. E nesta história multissecular, não se podem esquecer “as laboriosas gentes da Ribeira Lima”, que rodeiam o Cavaleiro da Barbela e todos os seus descendentes no “solar da Barbela, que ainda hoje se pode ver da curva da estrada que segue pela margem esquerda do Lima”.
A Ribeira Lima possui também um riquíssimo património, da arquitectura à gastronomia e às mais diversas tradições culturais, sem esquecer as feiras e as festas populares, com realce para as “Festas de Ponte de Lima, as famosas Feiras Novas”. Com a “fidalguia limiana”, a geografia limiana respira antiguidade e tradição, conferindo-lhe um atraente porte aristocrático e fidalgo. Enfim, a história da grande família da Barbela é um inquestionável “romance colectivo”, em que sobressaem os “hábitos dos fidalgos da Ribeira Lima”.
Entre as riquezas patrimoniais, destacam-se as casas solarengas que polvilham a Ribeira Lima, com suas torres, capelas e bibliotecas, atestando a proeminência de certas famílias, independentemente de umas serem fruto da imaginação do romancista e outras existirem de facto, como as referências aos Abreus e aos Auroras. Porém, os Barbelas distinguem-se de outras “famílias nobres da Ribeira Lima”, tal como descritas por Manuel Bezerra “na sua obra monumental e erudita Os Estrangeiros no Lima”.
Por fim, a ligar tudo, a beleza ímpar da encantatória paisagem limiana, que seduz e enfeitiça quem por ali passa. O contacto com o rio Lima configura uma revelação e uma experiência místicas: “A descida do Lima (...) resumia um dos encantos mais completos em que se prendiam os olhos dos indiferentes à paisagem, ao amor e à luz. Havia nas margens qualquer coisa do mundo ainda por revelar”. 
     Em suma, “os tempos maravilhosos passados na Ribeira Lima” causam funda impressão diante desta paisagem única: “um dos únicos sítios no mundo onde a beleza da paisagem compreende o silêncio das almas”. Paisagem que fascina e atrai: "Habituei-me às margens do Lima e não há ninguém que me tire de lá.” Restando a sentida exclamação: “Que bons os dias passados na Ribeira Lima!” 

José Cândido de Oliveira Martins