quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Revista Limiana n.º 32


Abril de 2013
Capa:
Pintura que representa o Dr. Carlos Lima como Bastonário da Ordem dos Advogados, da autoria do pintor David Levy Lima, e que integra a galeria de pinturas do Salão Nobre da Ordem, representando os antigos Bastonários
Fotografia de Elisa Prego


Conteúdos

Cultura, identidade e desenvolvimento
José Pereira Fernandes

Poema "Outono"
Manuela Lima

Rancho Folclórico da CCPL
Do Teatro Diogo Bernardes à BTL

26.º Aniversário da Casa do Concelho de Ponte de Lima

Assembleia-geral da Casa do Concelho de Ponte de Lima

Celebração do Dia de Ponte de Lima

Livro
Fé e Religiosidade Popular em Ponte de Lima
Cruzeiros, Vias-Sacras, Nichos e Alminhas

Arte Sacra de Ponte de Lima
Santa Bárbara - Escultura de madeira dourada e policromada
Século XVIII - Igreja Paroquial de São João da Queijada
José Velho Dantas

Museu dos Terceiros apresenta Oratório de Paula Rego

Página Literária
Sentimento do Poema
Novo Livro de Amândio de Sousa Dantas
Cláudio Lima

O Monte de Santa Maria Madalena - Ponte de Lima
Manuel Aurora

Dr. Carlos Lima, Filho Dilecto de Ponte de Lima
António Moreira Barbosa de Melo

Dr. António Carlos Lima
Empenhado cristão, notável advogado, sabedor jurista, amante da sua pátria e da sua terra de Ponte de Lima
José Luís Nogueira de Brito

Dr. Carlos Lima, Ilustre Pontelimense
Miguel Malheiro

Carlos Lima
Um Advogado com Letra Grande - O ADVOGADO
Augusto Lopes Cardoso

Contributos para um perfil do Dr. Carlos Lima

Homenagem ao nosso Pai
António Carlos Lima
Manuel João Lima
José Miguel Lima
Maria do Rosário Lima

Caso do Bispo da Beira
-Primeira carta de Carlos Lima a Oliveira Salazar
-Última carta de Carlos Lima a Marcello Caetano
-Carta do Presidente do Conselho Permanente da Conferência Episcopal da Metrópole, D. Manuel Gonçalves Cerejeira, Cardeal Patriarca de Lisboa, a Carlos Lima

4.º Centenário da Fonte de Neptuno, em Ponte de Lima
Mário Leitão

Calheiros, uma Freguesia com história e tradições
Carlos Araújo

Paço de Calheiros
Francisco de Calheiros - Conde de Calheiros

Festival Internacional de Jardins de Ponte de Lima
Vence Prémio Internacional no Canadá

360º Ciência Descoberta
Nova exposição na Fundação Calouste Gulbenkian



Dr. Carlos Lima, Filho Dilecto de Ponte de Lima


Prof. Doutor Barbosa de Melo e Dr. Carlos Lima
em Ponte de Lima, em 18 de Outubro de 2009
Fotografia de Rogério Lopes

O Director da revista Limiana, Dr. José Pereira Fernandes, convidou-me a escrever para o número desta publicação em que será homenageado o Dr. Carlos Lima, a pretexto do seu octogésimo sétimo aniversário. Tenho o maior gosto em corresponder ao convite e agradeço do fundo do coração a oportunidade que assim me é oferecida de prestar homenagem a um amigo, que muito estimo e admiro. Natural do concelho de Ponte do Lima e residente em Lisboa, desde os tempos de estudante de Direito, nunca quebrou ou deixar desgastar os seus afectos e laços de contacto com a terra e os seus conterrâneos. 
António Carlos Lima é um brilhante jurisconsulto, de rara qualidade humana e profissional, que foi Bastonário da Ordem dos Advogados (1978-1980), e a quem os portugueses, em geral, devem exemplos de coragem moral, cívica e política, que, de há muito, o colocam em lugar de destaque na “galeria de honra dos filhos dilectos de Ponte de Lima” (como já escrevi).
O meu testemunho anda à roda de três experiências que cruzam a minha vida pública com a do homenageado de hoje: em primeiro lugar, na colaboração inicial de ambos no lançamento preliminar do Partido Popular Democrático (PPD), mais tarde chamado Partido Social Democrata (PSD), no período fundacional da democracia portuguesa, aberto pelo 25 de Abril de 1974; em segundo lugar, nas leituras recorrentes que fiz dos textos parlamentares produzidos e apresentados pelo Deputado A. Carlos Lima na Assembleia Nacional (1957-1961), aquando da revisão da Constituição de 1933 aprovada pela Lei nº 2100, de 29 de Agosto de 1959; em terceiro lugar e por fim, no trabalho em comum no tribunal arbitral instituído pela convenção de arbitragem celebrada ente a Liscont e a Administração do Porto de Lisboa (APL) em 1987, para dirimir um complexo litígio jurídico respeitante a um contrato de concessão do direito de exploração em regime de serviço público de um terminal portuário de contentores em Lisboa (A sentença está em O Direito, ano 121.º, 1989 III, Julho-Setembro, pp. 591-638).
Limito-me a três apontamentos.
Nos dias seguintes ao 25 de Abril, Francisco Sá Carneiro e os seus mais próximos companheiros (Joaquim Magalhães Mota e Francisco Pinto Balsemão), da Ala Liberal da Assembleia Nacional, eleita em 1969, entenderam-se para formar um partido político de programa social democrata. O objectivo era garantir assim a salvaguarda dos valores da liberdade, da dignidade humana, da pátria e da justiça social na construção do sistema e regime políticos que fatalmente teria de substituir o caduco “Estado Novo”, liquidado pela História e em acelerada desconstrução pelo Movimento das Forças Armadas. Com esse objectivo sucederam-se por todo o País encontros promovidos com vista a reunir núcleos de personalidades públicas tidas como amigas desses ideais e consideradas disponíveis para a aventura. Outro objectivo em mira era também, se bem me lembro, satisfazer a necessidade de levar ao conhecimento dos participantes acontecimentos e informações relativos ao que ia que ocorrendo no País e nas Colónias e que os órgãos da comunicação social, largamente dominados por forças totalitárias, sonegavam à livre circulação de ideias própria das “sociedades abertas”.
A. Carlos Lima foi, naturalmente, uma das personalidades públicas convidadas a participar nesses encontros, mais ou menos informais. Recordo-me de o ter ouvido em mais do que uma das reuniões realizadas no edifício, ainda em acabamento, no topo da Avenida Duque de Loulé, onde o PPD viria a ter a sua primeira sede. A imagem que guardo do insigne advogado, de então, está centrada na notável argúcia com que ele encarava os factos e a serenidade com que ponderava as leituras que deles se faziam. Evidenciava a atitude nobre de procurar a verdade e de respeitar as exigências da sua busca, guiando-se, sem sofreguidão nem precipitações, por critérios que se lhe afiguravam aptos a garantir uma solução justa para o problema ou caso em debate. Quer dizer: se era rigoroso na análise, era também cuidado na formulação das suas opiniões.
A minha segunda experiência com a personalidade pública do homenageado está ligada às intervenções parlamentares de A. Carlos Lima no debate da revisão constitucional de 1959. Por proposta apresentada pelo Governo (Diário das Sessões, 20 de Março de 1959) a Assembleia Nacional assumira extraordinariamente poderes de revisão constitucional, com vista à alteração do modo de eleição do Chefe do Estado, fixado pelo plebiscito de 19 de Março de 1933. O artigo 72.º da versão do texto constitucional plebiscitado determinava que o Chefe do Estado fosse o Presidente da República eleito pela Nação “por sufrágio directo dos cidadãos eleitores”. Para fugir a sobressaltos políticos como o que sofrera com a candidatura do General Humberto Delgado nas eleições presidenciais do ano anterior, o Governo apresentou uma proposta de lei constitucional que atribuía a eleição do Presidente da República a um colégio eleitoral composto pelos membros da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa, por representantes municipais de cada distrito ou de cada província do Ultramar não dividida em distritos, e, em certos termos, por representantes dos conselhos legislativos e dos conselhos de governo dos demais territórios ultramarinos. A aprovação da proposta do Governo implicaria, pois, o abandono do sistema de eleição do Presidente da República por sufrágio directo e universal dos cidadãos eleitores.
Vários deputados (v.g. Homem de Melo, Carlos Moreira) apresentaram projectos de lei que visavam ampliar o âmbito da revisão pretendida pelo Governo. Tal foi também o caso do Deputado A. Carlos Lima. No prefácio do livro, abaixo citado em nota, o Autor explica de forma brilhante (pp. 11 ss) a razão das suas propostas. Todas elas, diz, se articulavam à volta do “alargamento do âmbito da competência e das possibilidades de acção da Assembleia Nacional”, concretizando-se nos seguintes pontos fundamentais:
1.º ─ alargamento das matérias da exclusiva competência legislativa da Assembleia Nacional (artigo 93.º da Constituição);
2.º ─ aumento de três para cinco meses do período normal de funcionamento da Assembleia;
3.º ─ fixação do princípio de estarem sempre sujeitos a ratificação os decretos-leis publicados fora dos casos de autorização legislativa, e não apenas os publicados durante o funcionamento efectivo da Assembleia;
4.º ─ atribuíção de competência aos tribunais para conhecerem da inconstitucionalidade orgânica ou formal mesmo de diplomas promulgados pelo Chefe de Estado, nos casos em que essa inconstitucionalidade resultasse da violação do artigo 93.º da Constituição invadindo matérias sobre que cabe à Assembleia legislar em exclusivo.
O projecto de revisão de A. Carlos Lima, enformado por estes quatro princípios, reporia, ao fim e ao cabo, características marcantes da Constituição originária ─ a aprovada pelo plebiscito de 1933 ─, pondo termo à deriva “executivista” que, desde a Lei de revisão n.º 1.885 (23-III-1935), a vinha desfigurando progressivamente. O projecto era, diz o Autor, “suficientemente significativo do ponto de vista dos princípios “, valendo menos pelo que dispunha o texto “do que pelo esquema de ideias que reflectia e pelo espírito que o animava, principalmente enquanto se projectavam num determinado e rígido contexto político” (p.13). 
O Autor conta ter sabido, através dos elementos de ligação do Governo à Assembleia, que o Governo tomara posição contra as soluções que integravam o projecto e que por isso seria sistematicamente vencido em todas as votações, como acontecera todas as vezes que tentara fazer aprovar soluções diferentes das desejadas pelo Governo (cfr. p. 9 e nota). Mas não desistiu de travar o combate democrático em defesa do seu projecto, e um combate que foi tenaz, árduo e longo. Acabou de facto aparentemente derrotado em toda a linha, mas preservou a sua dignidade pessoal e cívica. Eis um traço de carácter de Carlos Lima que se me afigura raro no meio político lusitano de todos os tempos e que me apraz assinalar especialmente neste meu testemunho.
O outro contacto que especialmente mantive com a personalidade pública do homenageado ocorre, como disse, em contexto de relações de trabalho em ambiente jurisdicional. Foi a participação de ambos, com o Dr. Vaz Serra de Moura, como membros do tribunal arbitral que durante alguns meses se ocupou na solução de um complexo litígio jurídico entre a Liscont e a Administração do Porto de Lisboa, pelos finais da década de 1980. O trabalho em comum deste trio de julgadores foi para mim particularmente aliciante pelo saber jurídico e pela prudência judicativa de que deram sobejas provas os dois ilustres jurisconsultos que comigo integraram a equipa. Foi uma experiência, a todos os títulos, inesquecível, que mostrou, mais uma vez, as excepcionais virtudes éticas e cívicas do Dr. António Carlos Lima que venho referindo ao longo deste meu testemunho.

António Moreira Barbosa de Melo
Ex-Presidente da Assembleia da República