Abril de 2013
Capa:
Pintura que representa o Dr. Carlos Lima como Bastonário da Ordem dos Advogados, da autoria do pintor David Levy Lima, e que integra a galeria de pinturas do Salão Nobre da Ordem, representando os antigos Bastonários
Fotografia de Elisa Prego
Conteúdos
Cultura, identidade e desenvolvimento
José Pereira Fernandes
Poema "Outono"
Manuela Lima
Rancho Folclórico da CCPL
Do Teatro Diogo Bernardes à BTL
26.º Aniversário da Casa do Concelho de Ponte de Lima
Assembleia-geral da Casa do Concelho de Ponte de Lima
Celebração do Dia de Ponte de Lima
Livro
Fé e Religiosidade Popular em Ponte de Lima
Cruzeiros, Vias-Sacras, Nichos e Alminhas
Arte Sacra de Ponte de Lima
Santa Bárbara - Escultura de madeira dourada e policromada
Século XVIII - Igreja Paroquial de São João da Queijada
José Velho Dantas
Museu dos Terceiros apresenta Oratório de Paula Rego
Página Literária
Sentimento do Poema
Novo Livro de Amândio de Sousa Dantas
Cláudio Lima
O Monte de Santa Maria Madalena - Ponte de Lima
Manuel Aurora
Dr. Carlos Lima, Filho Dilecto de Ponte de Lima
António Moreira Barbosa de Melo
Dr. António Carlos Lima
Empenhado cristão, notável advogado, sabedor jurista, amante da sua pátria e da sua terra de Ponte de Lima
José Luís Nogueira de Brito
Dr. Carlos Lima, Ilustre Pontelimense
Miguel Malheiro
Carlos Lima
Um Advogado com Letra Grande - O ADVOGADO
Augusto Lopes Cardoso
Contributos para um perfil do Dr. Carlos Lima
Homenagem ao nosso Pai
António Carlos Lima
Manuel João Lima
José Miguel Lima
Maria do Rosário Lima
Caso do Bispo da Beira
-Primeira carta de Carlos Lima a Oliveira Salazar
-Última carta de Carlos Lima a Marcello Caetano
-Carta do Presidente do Conselho Permanente da Conferência Episcopal da Metrópole, D. Manuel Gonçalves Cerejeira, Cardeal Patriarca de Lisboa, a Carlos Lima
4.º Centenário da Fonte de Neptuno, em Ponte de Lima
Mário Leitão
Calheiros, uma Freguesia com história e tradições
Carlos Araújo
Paço de Calheiros
Francisco de Calheiros - Conde de Calheiros
Festival Internacional de Jardins de Ponte de Lima
Vence Prémio Internacional no Canadá
360º Ciência Descoberta
Nova exposição na Fundação Calouste Gulbenkian
Dr. Carlos Lima, Filho Dilecto de Ponte de Lima
Prof. Doutor Barbosa de Melo e Dr. Carlos Lima em Ponte de Lima, em 18 de Outubro de 2009 Fotografia de Rogério Lopes |
O Director da revista Limiana, Dr. José Pereira Fernandes,
convidou-me a escrever para o número desta publicação em que será homenageado o
Dr. Carlos Lima, a pretexto do seu octogésimo sétimo aniversário. Tenho o maior
gosto em corresponder ao convite e agradeço do fundo do coração a oportunidade
que assim me é oferecida de prestar homenagem a um amigo, que muito estimo e
admiro. Natural do concelho de Ponte do Lima e residente em Lisboa, desde os
tempos de estudante de Direito, nunca quebrou ou deixar desgastar os seus
afectos e laços de contacto com a terra e os seus conterrâneos.
António Carlos Lima é um brilhante
jurisconsulto, de rara qualidade humana e profissional, que foi Bastonário da
Ordem dos Advogados (1978-1980), e a quem os portugueses, em geral, devem
exemplos de coragem moral, cívica e política, que, de há muito, o colocam em
lugar de destaque na “galeria de honra
dos filhos dilectos de Ponte de Lima” (como já escrevi).
O meu testemunho anda à roda de três
experiências que cruzam a minha vida pública com a do homenageado de hoje: em
primeiro lugar, na colaboração inicial de ambos no lançamento preliminar do
Partido Popular Democrático (PPD), mais tarde chamado Partido Social Democrata
(PSD), no período fundacional da democracia portuguesa, aberto pelo 25 de Abril
de 1974; em segundo lugar, nas leituras recorrentes que fiz dos textos
parlamentares produzidos e apresentados pelo Deputado A. Carlos Lima na
Assembleia Nacional (1957-1961), aquando da revisão da Constituição de 1933
aprovada pela Lei nº 2100, de 29 de Agosto de 1959; em terceiro lugar e por
fim, no trabalho em comum no tribunal arbitral instituído pela convenção de
arbitragem celebrada ente a Liscont e
a Administração do Porto de Lisboa
(APL) em 1987, para dirimir um complexo litígio jurídico respeitante a um
contrato de concessão do direito de exploração em regime de serviço público de
um terminal portuário de contentores em Lisboa (A sentença está em O
Direito , ano 121.º, 1989 III, Julho-Setembro, pp.
591-638).
Limito-me a três apontamentos.
Nos dias seguintes ao 25 de Abril,
Francisco Sá Carneiro e os seus mais próximos companheiros (Joaquim Magalhães
Mota e Francisco Pinto Balsemão), da Ala Liberal da Assembleia Nacional, eleita
em 1969, entenderam-se para formar um partido político de programa social democrata.
O objectivo era garantir assim a salvaguarda dos valores da liberdade, da
dignidade humana, da pátria e da justiça social na construção do sistema e
regime políticos que fatalmente teria de substituir o caduco “Estado Novo”,
liquidado pela História e em acelerada desconstrução pelo Movimento das Forças Armadas. Com esse objectivo sucederam-se por
todo o País encontros promovidos com vista a reunir núcleos de personalidades
públicas tidas como amigas desses ideais e consideradas disponíveis para a
aventura. Outro objectivo em mira era também, se bem me lembro, satisfazer a
necessidade de levar ao conhecimento dos participantes acontecimentos e
informações relativos ao que ia que ocorrendo no País e nas Colónias e que os
órgãos da comunicação social, largamente dominados por forças totalitárias,
sonegavam à livre circulação de ideias própria das “sociedades abertas”.
A. Carlos Lima foi, naturalmente, uma
das personalidades públicas convidadas a participar nesses encontros, mais ou
menos informais. Recordo-me de o ter ouvido em mais do que uma das reuniões
realizadas no edifício, ainda em acabamento, no topo da Avenida Duque de Loulé,
onde o PPD viria a ter a sua primeira sede. A imagem que guardo do insigne
advogado, de então, está centrada na notável argúcia com que ele encarava os
factos e a serenidade com que ponderava as leituras que deles se faziam. Evidenciava
a atitude nobre de procurar a verdade e de respeitar as exigências da sua
busca, guiando-se, sem sofreguidão nem precipitações, por critérios que se lhe
afiguravam aptos a garantir uma solução justa para o problema ou caso em debate. Quer dizer:
se era rigoroso na análise, era também cuidado na formulação das suas opiniões.
A minha segunda experiência com a
personalidade pública do homenageado está ligada às intervenções parlamentares
de A. Carlos Lima no debate da revisão constitucional de 1959. Por proposta
apresentada pelo Governo (Diário das
Sessões, 20 de Março de 1959) a Assembleia Nacional assumira
extraordinariamente poderes de revisão constitucional, com vista à alteração do
modo de eleição do Chefe do Estado, fixado pelo plebiscito de 19 de Março de
1933. O artigo 72.º da versão do texto constitucional plebiscitado determinava
que o Chefe do Estado fosse o Presidente da República eleito pela Nação “por sufrágio directo dos cidadãos
eleitores”. Para fugir a sobressaltos políticos como o que sofrera com a
candidatura do General Humberto Delgado nas eleições presidenciais do ano
anterior, o Governo apresentou uma proposta de lei constitucional que atribuía
a eleição do Presidente da República a um colégio eleitoral composto pelos
membros da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa, por representantes
municipais de cada distrito ou de cada província do Ultramar não dividida em
distritos, e, em certos termos, por representantes dos conselhos legislativos e
dos conselhos de governo dos demais territórios ultramarinos. A aprovação da
proposta do Governo implicaria, pois, o abandono do sistema de eleição do
Presidente da República por sufrágio directo
e universal dos cidadãos eleitores.
Vários deputados (v.g. Homem de Melo,
Carlos Moreira) apresentaram projectos de lei que visavam ampliar o âmbito da
revisão pretendida pelo Governo. Tal foi também o caso do Deputado A. Carlos
Lima. No prefácio do livro, abaixo citado em nota, o Autor explica de forma
brilhante (pp. 11 ss) a razão das suas propostas. Todas elas, diz, se articulavam
à volta do “alargamento do âmbito da
competência e das possibilidades de acção da Assembleia Nacional”,
concretizando-se nos seguintes pontos fundamentais:
1.º ─ alargamento das matérias da
exclusiva competência legislativa da Assembleia Nacional (artigo 93.º da
Constituição);
2.º ─ aumento de três para cinco meses
do período normal de funcionamento da Assembleia;
3.º ─ fixação do princípio de estarem
sempre sujeitos a ratificação os decretos-leis publicados fora dos casos de
autorização legislativa, e não apenas os publicados durante o funcionamento
efectivo da Assembleia;
4.º ─ atribuíção de competência aos
tribunais para conhecerem da inconstitucionalidade orgânica ou formal mesmo de
diplomas promulgados pelo Chefe de Estado, nos casos em que essa
inconstitucionalidade resultasse da violação do artigo 93.º da Constituição
invadindo matérias sobre que cabe à Assembleia legislar em exclusivo.
O projecto de revisão de A. Carlos Lima,
enformado por estes quatro princípios, reporia, ao fim e ao cabo,
características marcantes da Constituição originária ─ a aprovada pelo
plebiscito de 1933 ─, pondo termo à deriva “executivista”
que, desde a Lei de revisão n.º 1.885 (23-III-1935), a vinha desfigurando progressivamente.
O projecto era, diz o Autor, “suficientemente
significativo do ponto de vista dos princípios “, valendo menos pelo que
dispunha o texto “do que pelo esquema de
ideias que reflectia e pelo espírito que o animava, principalmente enquanto se
projectavam num determinado e rígido contexto político” (p.13).
O Autor conta ter sabido, através dos
elementos de ligação do Governo à Assembleia, que o Governo tomara posição
contra as soluções que integravam o projecto e que por isso seria sistematicamente vencido em todas as
votações, como acontecera todas as vezes que tentara fazer aprovar soluções
diferentes das desejadas pelo Governo (cfr. p. 9 e nota). Mas não desistiu de
travar o combate democrático em defesa do seu projecto, e um combate que foi tenaz,
árduo e longo. Acabou de facto aparentemente derrotado em toda a linha, mas
preservou a sua dignidade pessoal e cívica. Eis um traço de carácter de Carlos
Lima que se me afigura raro no meio político lusitano de todos os tempos e que me
apraz assinalar especialmente neste meu testemunho.
O outro contacto que especialmente
mantive com a personalidade pública do homenageado ocorre, como disse, em
contexto de relações de trabalho em ambiente jurisdicional. Foi a participação
de ambos, com o Dr. Vaz Serra de Moura, como membros do tribunal arbitral que
durante alguns meses se ocupou na solução de um complexo litígio jurídico entre
a Liscont e a Administração do Porto de Lisboa, pelos finais da década de 1980. O
trabalho em comum deste trio de julgadores foi para mim particularmente
aliciante pelo saber jurídico e pela prudência judicativa de que deram sobejas provas
os dois ilustres jurisconsultos que comigo integraram a equipa. Foi uma
experiência, a todos os títulos, inesquecível, que mostrou, mais uma vez, as excepcionais
virtudes éticas e cívicas do Dr. António Carlos Lima que venho referindo ao
longo deste meu testemunho.