Fevereiro de 2013
Capa:
Poeta Delfim Guimarães, numa aguarela do pintor e desenhador Roque Gameiro (1864-1935)
Conteúdos
Motivar para a leitura
Irene Vieira Rua
Poema "Meu Pai"
Delfim Guimarães
Actividades da Casa do Concelho de Ponte de Lima
Tiago Polme
Livro
Biodiversidade das Lagoas de Bertiandos e São Pedro d'Arcos
Livro
"Os Limianos" e a história do futebol em Ponte de Lima
Arte Sacra de Ponte de Lima
São Paulo - Madeira dourada e policromada
Século XVII - Igreja de Santa Maria de Refóios do Lima
José Velho Dantas
Movimento "Ponte de Lima 2020"
em 1.º lugar a nível europeu
Para um perfil de Artur Anselmo
João Bigotte Chorão
A leitura em Portugal, hoje
Artur Anselmo
Medalhas de Mérito atribuídas pela Freguesia da Ribeira
Prof. Doutor José Cândido de Oliveira Martins na primeira poessoa
Entrevista conduzida pelo Prof. Doutor Sérgio Guimarães de Sousa
Paisagem e literatura: breve roteiro literário do Alto Minho
José Cândido de Oliveira Martins
90.º aniversário de A. M. Couto Viana
Delfim Guimarães: 140 anos de nascimento (1872-2012)
Cristiana Freitas
Delfim Guimarães, Um Poeta Limiano
Vítor Manuel Lopes Vieira
Por terras de S. Julião de Moreira do Lima
A Igreja Paroquial
Gracinda Dantas
Museu Nacional de Etnologia
Exposição permanente "O Museu, Muitas Coisas"
Motivar para a leitura
O estudo “A Leitura em Portugal”,
encomendado pelo ISCTE, no âmbito do Plano Nacional de Leitura, ao Observatório
das Actividades Culturais – OAC (2007, Maria de Lourdes Lima dos Santos
(coord.), João Soares Neves, Maria João Lima e Margarida Carvalho), mostra a
variação positiva da leitura por suporte, comparativamente com o estudo
“Hábitos de Leitura: Um Inquérito à População Portuguesa” (1997, da
responsabilidade de Eduardo de Freitas, José Luís Casanova e Nuno de Almeida
Alves). Estes dados parecem evidenciar uma correspondência entre o aumento da
escolarização das novas gerações e o aumento dos índices de leitura em Portugal.
No entanto, e apesar das visíveis melhorias, a escolaridade dos portugueses ainda
não está equiparada aos valores dos outros países da União Europeia, assim como
as taxas de leitura.
Nunca se aprendeu tanto. Nunca se deu
tanta importância à leitura enquanto ponto de partida para a aquisição de
múltiplas competências. É unanimemente aceite que é essencial desenvolver as
competências de leitura e por isso, desde 1 de Janeiro de 2007, o Ministério da
Educação, em articulação com o Ministério da Cultura (haverá Educação sem
Cultura?) e o Gabinete do Ministro dos Assuntos Parlamentares, deram início à
concretização do Plano Nacional de Leitura. A preocupação surge dos mais
diversos quadrantes. Identificam-se álibis, mobilizam-se recursos,
desenvolvem-se estratégias. Envolvem-se os profissionais mais conceituados. Mas
o problema da decadência dos hábitos de leitura persiste.
Associada a esta problemática está, muito
para além da responsabilidade da escola e da sociedade, a responsabilidade da
família. É fundamental incentivar as crianças, desde uma fase precoce, para o
contato com a linguagem escrita. Os bons hábitos de leitura devem ser
estimulados desde sempre e a criança deve reconhecer a leitura como um momento
de prazer, distração e conhecimento. A família é responsável por motivar para a
leitura e deve promover o contato com os livros. “Que bom é sentir o cheiro dos
livros que, arrumadinhos nas prateleiras da biblioteca, nos pedem para os
desarrumarmos e invadirmos a sua individualidade.”
Formar bons leitores passa
indubitavelmente por sermos bons leitores. Os bons hábitos de leitura ensinam-se
pelo exemplo e aprendem-se pela imitação. Ensinar a ler e motivar para a
leitura tem de ser algo em que se acredita verdadeiramente.
Nós
portugueses, diz-se, temos orgulho na nossa literatura. Nesta pátria de grandes
escritores como Luís Vaz de Camões, Eça de Queirós, Fernando Pessoa, António
Feijó, José Saramago, Agustina Bessa-Luís (entre tantos outros), neste paraíso
da literatura, nós portugueses, enquanto leitores e formadores de leitores,
temos um papel a cumprir e do qual não nos podemos dissociar: erguer bem alto
esta língua que é tão nossa, consumindo e promovendo o consumo do que é nosso.
Irene Vieira Rua
A leitura em Portugal, hoje (1)
São aterradoras as estatísticas sobre os índices der leitura em Portugal. Apesar da forte identidade cultural do país, os seus habitantes lêem pouco e lêem cada vez menos. A situação é preocupante, e não se descortina uma saída para a crise. “Pôr os portugueses a ler? Mas como?” – interrogam-se os responsáveis pelos assuntos culturais em Portugal. E, na sua indecisão, na sua perplexidade, vai implícita, provavelmente, uma dose excessiva de pessimismo, de fatalismo, ao gosto português de não poucos espíritos tocados pelo mal dos Vencidos da Vida, a que, com mais rigor, se chamaria uma constante doentia da nossa História Cultural.
Prova de que não se sabe
como enfrentar o problema da decadência dos hábitos de leitura está no facto de
se atribuir, em bloco, essa decadência à concorrência dos meios audiovisuais da
Comunicação Social, nomeadamente da Televisão. Esta posição simplista lembra a
daqueles responsáveis pelo trânsito automóvel que, incapazes de imaginarem soluções
práticas e eficientes para regularizar a circulação de veículos, atribuem todas
as desarmonias do trânsito ao aumento do número de carros em circulação, como
se estes, em vez de aumentarem, devessem diminuir. De facto, também as
carpideiras do livro e da leitura, não tendo percebido a tempo e horas a
importância da Televisão nos hábitos quotidianos da população da segunda metade
do século XX, dir-se-ia que descarregam as suas consciências atormentadas
endossando à Televisão a responsabilidade pelo enfraquecimento dos hábitos de
leitura.
Curiosamente, há países da
Europa onde o aparecimento da Televisão, em vez de diminuir o número de horas
consagrado à leitura pelo cidadão médio, contribui para aumentar o consumo de
bens culturais de primeira necessidade, como é o caso do livro. Sucedeu isso na
Europa Central e nos países nórdicos, sobretudo na Noruega, a tal ponto que de
alguns anos a esta parte foi mesmo possível pôr de pé uma operação cosmética de
marketing editorial e livreiro,
iniciada em França com a designação de “La
fureur de lire” (A fúria de ler) e transposta para outros países com grande
êxito. E, naturalmente, para que funcione toda esta estratégia do
fortalecimento dos hábitos de leitura, recorre-se ao apoio dos meios
audiovisuais: a Rádio e a Televisão colaboram de perto com os promotores das
grandes festas do livro e da leitura, e é duvidoso mesmo que essas festas
tivessem êxito sem o apoio do audiovisual. Mas não se julgue que o papel da
Televisão no apoio aos livros fica por aqui. É sabido que os países onde os
hábitos de leitura estão mais arreigados são precisamente aqueles que dispõem
dos melhores programas televisivos sobre a actualidade literária. Refiro-me a
programas vivos, insinuantes, atraentes, que tratam os temas culturais com a
preocupação de os tornarem acessíveis ao comum dos espectadores, e não – como
às vezes acontece entre nós – a programas xaroposos cujos intervenientes
parecem abusar da paciência do espectador mais caritativo.
Em resumo: em vez de se
tratar a Televisão como uma perigosa concorrente do livro, importa tirar o
máximo partido da TV para se promover a leitura por todos os modos. Mas é óbvio
que o apoio da Televisão só tem sentido quando integrado numa verdadeira
política cultural. E aqui é que bate o ponto. De facto, enquanto a comunidade
portuguesa não sentir que há uma política cultural coerente, abrangendo vários
sectores segundo um determinado fio condutor, talvez não seja realista
profetizar grandes melhorias no sector do livro.
Ao dizer isto, estou a partir
do princípio muito simples de que o consumo de livros e a leitura de livros não
são mais do que aspectos – significativos, sem dúvida, mas apenas dois aspectos
– do consumo de bens culturais. E disto, infelizmente, fala-se pouco ou não se
fala mesmo nada.
Consumir bens culturais é
um acto de civilização, indispensável à formação e desenvolvimento da própria
cultura. Sendo esta, basicamente uma relação equilibrada do Homem com o Mundo,
manifestada pelo fazer (o poein dos
gregos), é óbvio que se inscreve no âmbito do pensar e do comunicar. Ora, o
livro em si mesmo não é senão um veículo do saber acumulado e, neste sentido,
um bem cultural de primeira necessidade. Portanto, o consumo de livros é algo
que contribui para desenvolver e aprofundar a relação do Homem com o Mundo, e,
neste sentido, um dado adquirido do progresso da Humanidade. Os povos ditos
mais evoluídos (no sentido mais económico da expressão) são hoje aqueles que
compreenderam há mais tempo o inapreciável valor dos bens culturais, na
formação de uma mentalidade colectiva de crescimento harmonioso.
Em Portugal,
desgraçadamente, quase nunca se pensa na cultura como um factor de progresso.
Mas a integração do nosso país na Comunidade Europeia far-se-á cada vez mais
através da substituição dessa mentalidade primária por uma outra, mais
consentânea com as realidades da Europa contemporânea, segundo a qual não há
progresso económico e social sem progresso cultural. Isto impõe, fatalmente,
aos países com mais baixos índices de consumo de bens culturais – como é o caso
de Portugal – a necessidade de lançarem mão de todos os trunfos ao seu alcance
para saírem do ghetto onde se
encontram. E é aqui que adquire pleno sentido a ideia de uma Política Cultural
estrategicamente concebida e executada, sem a qual, em minha opinião, o nosso
País perderá uma oportunidade magnífica para se integrar verdadeiramente na
comunidade das nações mais avançadas.
Tal como a entendo, esta
Política Cultural fará da política do livro e da leitura uma pedra angular, e o
seu objectivo principal será o de alargar a fruição de bens culturais às mais
vastas camadas da população. Ora, conhecidas as graves carências de Portugal em
matéria de consumo de bens culturais de primeira necessidade, o mais elementar
bom-senso aponta para a conveniência de se articular a Cultura com a Educação e
o Ensino. Não tenhamos receio de afirmar isto: enquanto a escola não participar
de alma e coração no estabelecimento dos padrões mínimos de vitalidade
cultural, continuaremos cada vez mais a desbaratar dinheiro em acções
sectoriais desgarradas, com a sensação de nos estarmos a dirigir não para o
País mas para uma ínfima minoria de sibaritas, a quem foi dada a oportunidade
de perceber o valor absoluto do consumo de bens culturais. Em contrapartida, o
povo, o “povo-povo” de que falava Garrett nas Viagens na Minha Terra, esse continuará a achar que, para viver e
ser feliz, basta-lhe o pão, basta-lhe o vinho, basta-lhe o dinheiro e
bastam-lhe os medicamentos, já que, como se dizia noutro tempo (e creio que
ainda hoje se diz) “letras são tretas” e as letras não dão de comer aos
estômagos famintos nem fazem subir os depósitos bancários. “Mentira!” – diz a
Europa evoluída. “Mentira! Mentira!” – dizemos nós, os poucos Portugueses que
ainda acreditam ser possível contrariar o sentido do jogo. E, à medida que os
gritos isolados se transformarem num coro generalizado de protesto contra as
ideias-feitas de uma mentalidade de pacotilha, não tenhamos dúvidas de que
alguma coisa começará a mudar – para melhor.
(1) Excerto da intervenção do Prof. Doutor Artur
Anselmo no III Congresso dos Escritores Portugueses, realizado em Lisboa, em
Novembro de 1991, publicado em Ler é
maçada, estudar é nada.