quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Revista Limiana n.º 31


Fevereiro de 2013
Capa:
Poeta Delfim Guimarães, numa aguarela do pintor e desenhador Roque Gameiro (1864-1935)


Conteúdos

Motivar para a leitura
Irene Vieira Rua

Poema "Meu Pai"
Delfim Guimarães

Actividades da Casa do Concelho de Ponte de Lima
Tiago Polme

Livro
Biodiversidade das Lagoas de Bertiandos e São Pedro d'Arcos

Livro
"Os Limianos" e a história do futebol em Ponte de Lima

Arte Sacra de Ponte de Lima
São Paulo - Madeira dourada e policromada
Século XVII - Igreja de Santa Maria de Refóios do Lima
José Velho Dantas

Movimento "Ponte de Lima 2020"
em 1.º lugar a nível europeu

Para um perfil de Artur Anselmo
João Bigotte Chorão

A leitura em Portugal, hoje
Artur Anselmo

Medalhas de Mérito atribuídas pela Freguesia da Ribeira

Prof. Doutor José Cândido de Oliveira Martins na primeira poessoa
Entrevista conduzida pelo Prof. Doutor Sérgio Guimarães de Sousa

Paisagem e literatura: breve roteiro literário do Alto Minho
José Cândido de Oliveira Martins

90.º aniversário de A. M. Couto Viana

Delfim Guimarães: 140 anos de nascimento (1872-2012)
Cristiana Freitas

Delfim Guimarães, Um Poeta Limiano
Vítor Manuel Lopes Vieira

Por terras de S. Julião de Moreira do Lima
A Igreja Paroquial
Gracinda Dantas

Museu Nacional de Etnologia
Exposição permanente "O Museu, Muitas Coisas"


Motivar para a leitura

O estudo “A Leitura em Portugal”, encomendado pelo ISCTE, no âmbito do Plano Nacional de Leitura, ao Observatório das Actividades Culturais – OAC (2007, Maria de Lourdes Lima dos Santos (coord.), João Soares Neves, Maria João Lima e Margarida Carvalho), mostra a variação positiva da leitura por suporte, comparativamente com o estudo “Hábitos de Leitura: Um Inquérito à População Portuguesa” (1997, da responsabilidade de Eduardo de Freitas, José Luís Casanova e Nuno de Almeida Alves). Estes dados parecem evidenciar uma correspondência entre o aumento da escolarização das novas gerações e o aumento dos índices de leitura em Portugal. No entanto, e apesar das visíveis melhorias, a escolaridade dos portugueses ainda não está equiparada aos valores dos outros países da União Europeia, assim como as taxas de leitura.
Nunca se aprendeu tanto. Nunca se deu tanta importância à leitura enquanto ponto de partida para a aquisição de múltiplas competências. É unanimemente aceite que é essencial desenvolver as competências de leitura e por isso, desde 1 de Janeiro de 2007, o Ministério da Educação, em articulação com o Ministério da Cultura (haverá Educação sem Cultura?) e o Gabinete do Ministro dos Assuntos Parlamentares, deram início à concretização do Plano Nacional de Leitura. A preocupação surge dos mais diversos quadrantes. Identificam-se álibis, mobilizam-se recursos, desenvolvem-se estratégias. Envolvem-se os profissionais mais conceituados. Mas o problema da decadência dos hábitos de leitura persiste.
Associada a esta problemática está, muito para além da responsabilidade da escola e da sociedade, a responsabilidade da família. É fundamental incentivar as crianças, desde uma fase precoce, para o contato com a linguagem escrita. Os bons hábitos de leitura devem ser estimulados desde sempre e a criança deve reconhecer a leitura como um momento de prazer, distração e conhecimento. A família é responsável por motivar para a leitura e deve promover o contato com os livros. “Que bom é sentir o cheiro dos livros que, arrumadinhos nas prateleiras da biblioteca, nos pedem para os desarrumarmos e invadirmos a sua individualidade.”
Formar bons leitores passa indubitavelmente por sermos bons leitores. Os bons hábitos de leitura ensinam-se pelo exemplo e aprendem-se pela imitação. Ensinar a ler e motivar para a leitura tem de ser algo em que se acredita verdadeiramente.
Nós portugueses, diz-se, temos orgulho na nossa literatura. Nesta pátria de grandes escritores como Luís Vaz de Camões, Eça de Queirós, Fernando Pessoa, António Feijó, José Saramago, Agustina Bessa-Luís (entre tantos outros), neste paraíso da literatura, nós portugueses, enquanto leitores e formadores de leitores, temos um papel a cumprir e do qual não nos podemos dissociar: erguer bem alto esta língua que é tão nossa, consumindo e promovendo o consumo do que é nosso.
Irene Vieira Rua


A leitura em Portugal, hoje (1)

Prof. Doutor Artur Anselmo na Igreja do Terceiros, em Ponte de Lima (1996) - Palestra no âmbito das comemorações do centenário do nascimento do Escritor Limiano José de Sá Coutinho, 3.º Conde d'Aurora
Ainda na imagem: Padre Manuel Gomes Dias, Eng.º Daniel Campelo, Dr. João de Sá Coutinho - 4.º Conde d'Aurora - e Dr. João de Abreu Lima
Fotografia do Arquivo de Amândio de Sousa Vieira
   
     São aterradoras as estatísticas sobre os índices der leitura em Portugal. Apesar da forte identidade cultural do país, os seus habitantes lêem pouco e lêem cada vez menos. A situação é preocupante, e não se descortina uma saída para a crise. “Pôr os portugueses a ler? Mas como?” – interrogam-se os responsáveis pelos assuntos culturais em Portugal. E, na sua indecisão, na sua perplexidade, vai implícita, provavelmente, uma dose excessiva de pessimismo, de fatalismo, ao gosto português de não poucos espíritos tocados pelo mal dos Vencidos da Vida, a que, com mais rigor, se chamaria uma constante doentia da nossa História Cultural.
Prova de que não se sabe como enfrentar o problema da decadência dos hábitos de leitura está no facto de se atribuir, em bloco, essa decadência à concorrência dos meios audiovisuais da Comunicação Social, nomeadamente da Televisão. Esta posição simplista lembra a daqueles responsáveis pelo trânsito automóvel que, incapazes de imaginarem soluções práticas e eficientes para regularizar a circulação de veículos, atribuem todas as desarmonias do trânsito ao aumento do número de carros em circulação, como se estes, em vez de aumentarem, devessem diminuir. De facto, também as carpideiras do livro e da leitura, não tendo percebido a tempo e horas a importância da Televisão nos hábitos quotidianos da população da segunda metade do século XX, dir-se-ia que descarregam as suas consciências atormentadas endossando à Televisão a responsabilidade pelo enfraquecimento dos hábitos de leitura.
Curiosamente, há países da Europa onde o aparecimento da Televisão, em vez de diminuir o número de horas consagrado à leitura pelo cidadão médio, contribui para aumentar o consumo de bens culturais de primeira necessidade, como é o caso do livro. Sucedeu isso na Europa Central e nos países nórdicos, sobretudo na Noruega, a tal ponto que de alguns anos a esta parte foi mesmo possível pôr de pé uma operação cosmética de marketing editorial e livreiro, iniciada em França com a designação de “La fureur de lire” (A fúria de ler) e transposta para outros países com grande êxito. E, naturalmente, para que funcione toda esta estratégia do fortalecimento dos hábitos de leitura, recorre-se ao apoio dos meios audiovisuais: a Rádio e a Televisão colaboram de perto com os promotores das grandes festas do livro e da leitura, e é duvidoso mesmo que essas festas tivessem êxito sem o apoio do audiovisual. Mas não se julgue que o papel da Televisão no apoio aos livros fica por aqui. É sabido que os países onde os hábitos de leitura estão mais arreigados são precisamente aqueles que dispõem dos melhores programas televisivos sobre a actualidade literária. Refiro-me a programas vivos, insinuantes, atraentes, que tratam os temas culturais com a preocupação de os tornarem acessíveis ao comum dos espectadores, e não – como às vezes acontece entre nós – a programas xaroposos cujos intervenientes parecem abusar da paciência do espectador mais caritativo.
Em resumo: em vez de se tratar a Televisão como uma perigosa concorrente do livro, importa tirar o máximo partido da TV para se promover a leitura por todos os modos. Mas é óbvio que o apoio da Televisão só tem sentido quando integrado numa verdadeira política cultural. E aqui é que bate o ponto. De facto, enquanto a comunidade portuguesa não sentir que há uma política cultural coerente, abrangendo vários sectores segundo um determinado fio condutor, talvez não seja realista profetizar grandes melhorias no sector do livro.
Ao dizer isto, estou a partir do princípio muito simples de que o consumo de livros e a leitura de livros não são mais do que aspectos – significativos, sem dúvida, mas apenas dois aspectos – do consumo de bens culturais. E disto, infelizmente, fala-se pouco ou não se fala mesmo nada.
Consumir bens culturais é um acto de civilização, indispensável à formação e desenvolvimento da própria cultura. Sendo esta, basicamente uma relação equilibrada do Homem com o Mundo, manifestada pelo fazer (o poein dos gregos), é óbvio que se inscreve no âmbito do pensar e do comunicar. Ora, o livro em si mesmo não é senão um veículo do saber acumulado e, neste sentido, um bem cultural de primeira necessidade. Portanto, o consumo de livros é algo que contribui para desenvolver e aprofundar a relação do Homem com o Mundo, e, neste sentido, um dado adquirido do progresso da Humanidade. Os povos ditos mais evoluídos (no sentido mais económico da expressão) são hoje aqueles que compreenderam há mais tempo o inapreciável valor dos bens culturais, na formação de uma mentalidade colectiva de crescimento harmonioso.
Em Portugal, desgraçadamente, quase nunca se pensa na cultura como um factor de progresso. Mas a integração do nosso país na Comunidade Europeia far-se-á cada vez mais através da substituição dessa mentalidade primária por uma outra, mais consentânea com as realidades da Europa contemporânea, segundo a qual não há progresso económico e social sem progresso cultural. Isto impõe, fatalmente, aos países com mais baixos índices de consumo de bens culturais – como é o caso de Portugal – a necessidade de lançarem mão de todos os trunfos ao seu alcance para saírem do ghetto onde se encontram. E é aqui que adquire pleno sentido a ideia de uma Política Cultural estrategicamente concebida e executada, sem a qual, em minha opinião, o nosso País perderá uma oportunidade magnífica para se integrar verdadeiramente na comunidade das nações mais avançadas.
Tal como a entendo, esta Política Cultural fará da política do livro e da leitura uma pedra angular, e o seu objectivo principal será o de alargar a fruição de bens culturais às mais vastas camadas da população. Ora, conhecidas as graves carências de Portugal em matéria de consumo de bens culturais de primeira necessidade, o mais elementar bom-senso aponta para a conveniência de se articular a Cultura com a Educação e o Ensino. Não tenhamos receio de afirmar isto: enquanto a escola não participar de alma e coração no estabelecimento dos padrões mínimos de vitalidade cultural, continuaremos cada vez mais a desbaratar dinheiro em acções sectoriais desgarradas, com a sensação de nos estarmos a dirigir não para o País mas para uma ínfima minoria de sibaritas, a quem foi dada a oportunidade de perceber o valor absoluto do consumo de bens culturais. Em contrapartida, o povo, o “povo-povo” de que falava Garrett nas Viagens na Minha Terra, esse continuará a achar que, para viver e ser feliz, basta-lhe o pão, basta-lhe o vinho, basta-lhe o dinheiro e bastam-lhe os medicamentos, já que, como se dizia noutro tempo (e creio que ainda hoje se diz) “letras são tretas” e as letras não dão de comer aos estômagos famintos nem fazem subir os depósitos bancários. “Mentira!” – diz a Europa evoluída. “Mentira! Mentira!” – dizemos nós, os poucos Portugueses que ainda acreditam ser possível contrariar o sentido do jogo. E, à medida que os gritos isolados se transformarem num coro generalizado de protesto contra as ideias-feitas de uma mentalidade de pacotilha, não tenhamos dúvidas de que alguma coisa começará a mudar – para melhor.

(1)  Excerto da intervenção do Prof. Doutor Artur Anselmo no III Congresso dos Escritores Portugueses, realizado em Lisboa, em Novembro de 1991, publicado em Ler é maçada, estudar é nada.