Intervenção de António Manuel Couto Viana
Meus Senhores:
Já por quatro vezes Ponte de Lima decidiu enobrecer-me com lisonjeiras distinções.
A primeira, pela autoridade da sua Câmara Municipal, concedendo-me a medalha de Mérito Cultural.
A segunda e a terceira, pela Casa do Conselho de Ponte de Lima em Lisboa, em conjunto com a revista Limiana, a que me honro de dar colaboração.
Aconteceu a segunda no dia do meu 86º. aniversário, surpreendendo-me com um concerto do seu Grupo de Cavaquinhos, recordando-me o único instrumento que consegui tocar e a quem dediquei, até, uma poesia:
A minha mão espanhola
Trocou (pois nasceu no Minho)
Pandeireta e castanhola
Plas cordas de um cavaquinho.
Só sabe três posições
(Fraco jeito musical).
Se aprende, esquece as lições,
Nem o improviso lhe vale.
Mas entre o arrabil e a lira,
Em noites de serenata,
Se o amor inspira e expira
Nas cordas d’oiro e de prata,
A minha mão singular
Encontra sempre quem ame
Seu ingénuo dedilhar
As quatro cordas de arame.
Uma das intérpretes do grupo ainda me aconchegou ao peito a delicadeza de um cavaquinho, mas os meus dedos da velhice não conseguiram matar uma saudade das rusgas e tunas festivas em dia de romaria, quando o tringue-tringue do seu trinado convida ao alvoroço do vira.
E o grupo surpreendeu-me, também, com a leitura de alguns versos meus, evocadores da Ribeira-Lima.
Tempos depois, voltei a escutá-lo, quando, pela terceira vez, subi ao pódio pontelimês, tendo como pretexto o lançamento do meu livro de contos Que é que eu tenho, Maria Arnalda?, na presença do presidente da Casa do Concelho de Ponte de Lima, Senhor João Gonçalves e do Dr. José Pereira Fernandes, director da Limiana.
Falou, então, sobre o livro o meu caro Ricardo de Saavedra, num elogio desvanecedor.
Tarde inesquecível de convívio intelectual e artístico.
Convívio que se prolonga e se dilata aqui e agora, nesta quarta distinção, com a participação de três vozes que são tão caras à minha inteligência e à minha sensibilidade:
A de Cláudio Lima, poeta da estirpe dos maiores cantadores da nossa Ribeira, contista de garra e amigo como os que o são.
A de João Bigotte Chorão, a quem devo um sem número de comentários críticos, prefácios e posfácios à minha obra, saídos do primor da sua caneta culta e ática.
A de Artur Anselmo, que conheci jovem das minhas bandas, de quem acompanhei o desenvolvimento do seu talento raro, até à solidez académica, e que, em dada ocasião, me estudou a poesia, com exemplar sabedoria crítica.
Todos eles generosos em julgar-me a longa vida literária.
Bem hajam por isso.
A estas vozes peço vénia para juntar, no meu agradecimento, mais duas, mestras na interpretação de poesia, as de Cecília Guimarães e Vitor de Sousa, que souberam imprimir beleza aos meus versos.
Bem hajam, também.
E, finalmente, à Casa do Concelho de Ponte de Lima e à revista Limiana, nas pessoas ilustres do seu presidente e do seu director, respectivamente, quer pela grandiosidade do evento, quer pelo alto galardão que me é conferido, ao nomearem-me sócio honorário da prestigiosa agremiação regional, unindo o meu coração mais ainda àquela Ribeira-Lima que me habituei a amar, desde os 16 aos 23 anos de idade, em férias de encanto e paz, gozadas com a família na aldeia de São Martinho da Gandra, navegando e mergulhando num rio de lenda; envolvendo-me na azáfama alegre das vindimas; galopando aos ventos cálidos dos montes da Armada e Oral, na destreza do garrano limiano; mercando nas tendas do areal, nas manhãs buliçosas de feira na vila; bailando em festas de orago, nos terreiros dos santuários e capelas; nas noites sortílegas das Feiras Novas, estrondosas e brilhantes de foguetório, aquecendo, pelo remanso dos dias, ao
Sol dos meus verões
de adolescente feliz;
café no Largo Camões,
uma oração na Matriz,
e a busca de corações
que, no meu, ganhem raiz.
Ou, bem menos espiritual, mas igualmente apelativo, já o Outono a pedir o peso confortável da sustância alimentar, a busca da mesa que sirva o assombro do sarrabulho, num digno louvor ao animal mais prezado do alto-minhoto: o porco, com vossa licença!
Lembranças que o som nostálgico do cavaquinho sublinha como um canto de cigarra por entre milheirais de oiro.
Bem hajam, sobretudo.
Uma palavra, ainda, de gratidão, a todos quantos quiseram assistir a este instante emocionante da consagração do homem e do escritor.
Meus Senhores:
Tanta generosidade, tanto carinho, tanta estima, tanta consideração nestes momentos memoráveis, deixam que eu me interrogue, parafraseando o título daquele meu volume de contos:
– Que é que eu tenho, António Manuel?
António Manuel Couto Viana
Já por quatro vezes Ponte de Lima decidiu enobrecer-me com lisonjeiras distinções.
A primeira, pela autoridade da sua Câmara Municipal, concedendo-me a medalha de Mérito Cultural.
A segunda e a terceira, pela Casa do Conselho de Ponte de Lima em Lisboa, em conjunto com a revista Limiana, a que me honro de dar colaboração.
Aconteceu a segunda no dia do meu 86º. aniversário, surpreendendo-me com um concerto do seu Grupo de Cavaquinhos, recordando-me o único instrumento que consegui tocar e a quem dediquei, até, uma poesia:
A minha mão espanhola
Trocou (pois nasceu no Minho)
Pandeireta e castanhola
Plas cordas de um cavaquinho.
Só sabe três posições
(Fraco jeito musical).
Se aprende, esquece as lições,
Nem o improviso lhe vale.
Mas entre o arrabil e a lira,
Em noites de serenata,
Se o amor inspira e expira
Nas cordas d’oiro e de prata,
A minha mão singular
Encontra sempre quem ame
Seu ingénuo dedilhar
As quatro cordas de arame.
Uma das intérpretes do grupo ainda me aconchegou ao peito a delicadeza de um cavaquinho, mas os meus dedos da velhice não conseguiram matar uma saudade das rusgas e tunas festivas em dia de romaria, quando o tringue-tringue do seu trinado convida ao alvoroço do vira.
E o grupo surpreendeu-me, também, com a leitura de alguns versos meus, evocadores da Ribeira-Lima.
Tempos depois, voltei a escutá-lo, quando, pela terceira vez, subi ao pódio pontelimês, tendo como pretexto o lançamento do meu livro de contos Que é que eu tenho, Maria Arnalda?, na presença do presidente da Casa do Concelho de Ponte de Lima, Senhor João Gonçalves e do Dr. José Pereira Fernandes, director da Limiana.
Falou, então, sobre o livro o meu caro Ricardo de Saavedra, num elogio desvanecedor.
Tarde inesquecível de convívio intelectual e artístico.
Convívio que se prolonga e se dilata aqui e agora, nesta quarta distinção, com a participação de três vozes que são tão caras à minha inteligência e à minha sensibilidade:
A de Cláudio Lima, poeta da estirpe dos maiores cantadores da nossa Ribeira, contista de garra e amigo como os que o são.
A de João Bigotte Chorão, a quem devo um sem número de comentários críticos, prefácios e posfácios à minha obra, saídos do primor da sua caneta culta e ática.
A de Artur Anselmo, que conheci jovem das minhas bandas, de quem acompanhei o desenvolvimento do seu talento raro, até à solidez académica, e que, em dada ocasião, me estudou a poesia, com exemplar sabedoria crítica.
Todos eles generosos em julgar-me a longa vida literária.
Bem hajam por isso.
A estas vozes peço vénia para juntar, no meu agradecimento, mais duas, mestras na interpretação de poesia, as de Cecília Guimarães e Vitor de Sousa, que souberam imprimir beleza aos meus versos.
Bem hajam, também.
E, finalmente, à Casa do Concelho de Ponte de Lima e à revista Limiana, nas pessoas ilustres do seu presidente e do seu director, respectivamente, quer pela grandiosidade do evento, quer pelo alto galardão que me é conferido, ao nomearem-me sócio honorário da prestigiosa agremiação regional, unindo o meu coração mais ainda àquela Ribeira-Lima que me habituei a amar, desde os 16 aos 23 anos de idade, em férias de encanto e paz, gozadas com a família na aldeia de São Martinho da Gandra, navegando e mergulhando num rio de lenda; envolvendo-me na azáfama alegre das vindimas; galopando aos ventos cálidos dos montes da Armada e Oral, na destreza do garrano limiano; mercando nas tendas do areal, nas manhãs buliçosas de feira na vila; bailando em festas de orago, nos terreiros dos santuários e capelas; nas noites sortílegas das Feiras Novas, estrondosas e brilhantes de foguetório, aquecendo, pelo remanso dos dias, ao
Sol dos meus verões
de adolescente feliz;
café no Largo Camões,
uma oração na Matriz,
e a busca de corações
que, no meu, ganhem raiz.
Ou, bem menos espiritual, mas igualmente apelativo, já o Outono a pedir o peso confortável da sustância alimentar, a busca da mesa que sirva o assombro do sarrabulho, num digno louvor ao animal mais prezado do alto-minhoto: o porco, com vossa licença!
Lembranças que o som nostálgico do cavaquinho sublinha como um canto de cigarra por entre milheirais de oiro.
Bem hajam, sobretudo.
Uma palavra, ainda, de gratidão, a todos quantos quiseram assistir a este instante emocionante da consagração do homem e do escritor.
Meus Senhores:
Tanta generosidade, tanto carinho, tanta estima, tanta consideração nestes momentos memoráveis, deixam que eu me interrogue, parafraseando o título daquele meu volume de contos:
– Que é que eu tenho, António Manuel?
António Manuel Couto Viana