sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Um crime de omissão: António Feijó discriminado pela Porto Editora

Monumento a António Feijó, em Ponte de Lima


António Feijó, nascido em Ponte de Lima, em 1 de Junho de 1859, é, consensualmente, um nome consagrado da Literatura Portuguesa, um dos maiores poetas da transição do século XIX para o século XX. Sol de Inverno, publicado em 1922, cerca de quatro anos após a sua morte, é considerado não só o melhor livro de poesia portuguesa do início do século passado, mas ainda um dos maiores de toda a poesia portuguesa.
A sua obra poética foi recentemente reeditada pelas Edições Caixotim, prestigiada editora do Porto, sob a direcção do Prof. Doutor José Cândido de Oliveira Martins, docente da Universidade Católica Portuguesa que vem desenvolvendo um notável trabalho de divulgação da nossa cultura histórico-literária.
No prefácio do volume Poesias Completas, assinala José Cândido Martins:

«… a obra poética de Feijó tem beneficiado quer de raras visões de síntese, quer ainda de perspicazes juízos de outros autores que, além de críticos, têm a luminosidade própria dos criadores. Apenas a título de exemplo, António Nobre refere-se a Feijó como “impecável artista”; Antero de Quental, em registo epistolar, louva-lhe “uma mestria de forma verdadeiramente rara”; Alberto de Oliveira distingue-o como “poeta lírico no mais alto sentido”; Delfim Guimarães considera-o “artista primoroso”; Eugénio de Castro celebra o poeta limiano no soneto “Amor e Glória”, tal como Teófilo Carneiro no soneto “O Regresso do Rouxinol”.
Mais recentemente, Urbano Tavares Rodrigues considera António Feijó “o mais autêntico poeta da geração parnasiana de 80”; António Manuel Couto Viana cataloga-o como “grande poeta português”; e David Mourão-Ferreira aprecia-o como um poeta de vasta paleta estética e de difícil filiação


Urbano Tavares Rodrigues classifica ainda como obra-prima o soneto “Pálida e Loira”, inspirado por uma tricana de Coimbra que Feijó teria conhecido nos seus tempos de estudante, poema incluído na generalidade dos compêndios de Literatura Portuguesa.
Ora, é este consagrado poeta nacional que a Porto Editora acaba de discriminar, ao não incluir o seu nome na obra Poemas Portugueses – Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, publicada em Dezembro de 2009, precisamente no ano em que se comemoraram 150 anos sobre o seu nascimento.
Trata-se de uma omissão inqualificável, tanto mais que esta antologia, organizada por Jorge Reis-Sá e Rui Lage, com prefácio de Vasco Graça Moura, se apresenta como “compilação monumental” da poesia portuguesa e de “elevado interesse para fins de investigação e de ensino”!
Contrariamente ao que sustenta Vasco Graça Moura, uma antologia que discrimina um poeta como António Feijó, para além de outros como Augusto Gil, João Cabral do Nascimento, Alberto Osório de Castro e outros poetas limianos como Teófilo Carneiro, João Marcos e Cláudio Lima, não pode ser considerada um “trabalho sério”, muito menos quando se afirma que, “bem feitas as contas, nenhum poeta importante ficou à porta”.
Estamos perante um intolerável crime de omissão imputável a uma editora com responsabilidades acrescidas no panorama do Ensino e da Cultura Portuguesa, que não poderíamos deixar de denunciar.

José Pereira Fernandes
(Editorial da Revista Limiana n.º 16)




PÁLIDA E LOIRA

Morreu. Deitada no caixão estreito,
Pálida e loira, muito loira e fria,
O seu lábio tristíssimo sorria
Como num sonho virginal desfeito.

- Lírio que murcha ao despontar do dia,
Foi descansar no derradeiro leito,
As mãos de neve erguidas sobre o peito,
Pálida e loira, muito loira e fria...

Tinha a cor da rainha das baladas
E das monjas antigas maceradas,
No pequenino esquife em que dormia...

Levou-a a Morte em sua garra adunca!
E eu nunca mais pude esquecê-la, nunca!
Pálida e loira, muito loira e fria...

António Feijó, in Líricas e Bucólicas, 1884

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